Em todos os campos que este artista empreendeu, o seu sucesso foi surpreendente.
Aos 12 anos ganhou um terceiro prémio do Concurso Infantil de Caricaturas, em O Século - Suplemento Humorístico. Arquitecto inovador, José Ângelo Cottinelli Telmo, nascido em Lisboa a 13 de Novembro de 1897, frequentou o Liceu Pedro Nunes onde conheceu ou reencontrou Martins Barata, Carlos Botelho, Luís Reis Santos, Leitão de Barros, Stuart Carvalhais. Mais tarde, muitos deles foram seus colegas na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, onde concluiu o curso de Arquitectura em 1920, com a mais alta classificação.
Deu o timbre à fachada do salazarismo, com as prisões de Caxias, Alijó, Castelo Branco, etc. (arquitecto da Comissão das Construções Prisionais), a cidade universitária de Coimbra, o Liceu de Lamego, o Liceu D. João de Castro em Lisboa, a Standard Eléctrica, o Conservatório de Lisboa, o Museu de Arte Moderna. Urbanista do «Império Português», criou a fisionomia da zona marginal de Belém, da praça do Império, do monumento das Descobertas, e também da encosta da Ajuda em Lisboa ou de Fátima.
Propagandista da grandeza de Portugal, foi o arquitecto-chefe da Exposição do Mundo Português (1940) e arquitecto da CP (Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro) de 1923 a 1948. Teórico das artes e escritor emérito, deixou muitos textos espalhados em revistas e jornais. Ilustrador de cartazes e de selos, dedicou também muitas gravuras a temas infantis — O Mundo dos Meus Bonitos de Augusto de Santa-Rita (1920), Varinha de Condão de Theresa Leitão de Barros e ainda livrinhos ilustrados (oferecidos como propaganda ao ABC-zinho).
Apaixonado pela 7ª Arte, colaborou em Imagem, Kino e noutras revistas de cinema. Finalmente, como se não bastasse, escreveu o argumento original e realizou o primeiro filme sonoro português, modelo obrigatório da chamada «comédia à portuguesa» — A Canção de Lisboa (1933). E, para começar as suas actividades artísticas e jornalísticas, orientou a primeira revista infantil cem por cento portuguesa, como grande ilustrador, grande escritor e grande pedagogo. É de ficarmos abismados... Uma criação sua chamava-se Pirilau. Este foi, depois do Quim e do Manecas, o segundo herói dos comics infantis portugueses — ou o terceiro, se contarmos com o Gafanhoto, de Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro. Nasceu no número espécime da revista ABC, estreia do jovem arquitecto na literatura infantil. Confusamente, a segunda prancha viria publicada no nº 1, que foi posto à venda em 15 de Julho de 1920. Formava uma HQ de continuação, assinada pelo pseudónimo «Tio Pirilau», com legendas didascálicas, algumas onomatopeias, sinais icónicos e raros balões. Tinha por nome: «Aventuras Inacreditáveis (e com razão) do ‘Pirilau’ que Vendia Balões». O entrecho, tão gongórico como o título, notabiliza-se pelo absurdo precioso e pela inovadora representação gráfica, próxima nalguns aspectos dos «The Kin-der-Kids», de Lyonel Feininger. «O Pirilau que Vendia Balões» era figurado como um miúdo de olho vivo — único olho geralmente visível, pois a pala do boné tapava-lhe o outro. Era aventureiro, mas não trapaceiro, como o Manecas. As peripécias decorriam mais ao sabor dos ventos da fortuna do que do seu engenho e arte. A meio da história até acaba por encontrar o Quim e o Manecas, e seguem todos no mesmo barco da aventura. Não foi este nem o primeiro nem o último aproveitamento dos personagens criados por Stuart...
Na revista ABC publicou-se uma segunda aventura de Cottinelli Telmo — «A Grande Fita Americana» — girando o enredo à volta de cowboys, índios, cavalos, estrelas de cinema, patifórios, comboios e tudo o mais. Durou até 29 de Setembro de 1921, pouco antes de aparecer a revista infantil ABC-zinho, pertença também da empresa ‘ABC’. De salientar que nesta última revista as duas aventuras foram reimpressas na forma original (da revista ABC), havendo ainda uma nova versão, da autoria de Carlos Botelho.
ABC-zinho, posta à venda a 15 de Outubro de 1921, era uma revista infantil como já não havia desde 1910, ano da aparição — e desaparição — de O Gafanhoto (2ª Série). Com o nome de baptismo inventado por Stuart Carvalhais, tinha, inicialmente, como directores, Manuel Oliveira Ramos e Cottinelli Telmo. Talvez muitos dos seus bons resultados se expliquem, em parte, pelo empenhamento que o Estado Novo tinha em favorecer as Artes que o glorificassem, concedendo benesses de que também vieram a aproveitar Bernardo Marques e Almada Negreiros. Mas, nada disto se pode aduzir em relação ao aparecimento de ABC-zinho, cinco anos antes do golpe de 28 de Maio de 1926. Por detrás da revista estava apenas a empresa editorial ‘ABC’, o dinamismo de Cottinelli Telmo e uma portentosa equipa de desenhadores e escritores. Foi vasta a sua colaboração para esta revista, com textos de ficção, diversões, correspondência e histórias aos quadradinhos (argumento e desenho), nomeadamente «O Filho do Agulheiro», «O Segredo da Casa Vermelha», «Fifi e o Seu Automóvel» e as duas aventuras anteriormente publicadas no ABC.
A partir do nº 201 da 2ª série, em 11 de Novembro de 1929, a direcção passou para Baptista Vasques, apressando a queda da revista, que acabou definitivamente a 26 de Setembro de 1932. Encontram-se cartoons de Cottinelli Telmo no ABC a Rir e ilustrações no Diário de Lisboa, Ilustração Portuguesa, Jornal da Mulher, Domingo, Acção, Fantoches, Arquitectura, Portugal Feminino, na secção Novidades dos Pequeninos (do jornal Novidades), O Jornal de Domingo, Notícias Ilustrado, etc. Conferencista de mérito, foi professor de Desenho no Liceu de Passos Manuel e director de Arquitectos, revista oficial do Sindicato Nacional dos Arquitectos, de que foi também presidente. Vítima de um desastre marítimo, faleceu a 18 de Setembro de 1948, em Cascais.
Extracto do «Dicionário dos Autores de Banda Desenhada e Cartoon em Portugal»
Por Leonardo De Sá e António Dias de Deus
Edições Época de Ouro / Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem, Outubro de 1999 © 1999, 2004
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Livro editado pela BEDETECA DE LISBOA e pela BALEIAZUL (Novembro de 1999). (ler mais)